Diálogos que ainda restam


Mote Contínuo

     Diálogos... sempre que vejo a palavra escrita, vêm-me à lembrança os nomes de Platão, Sócrates, Jesus... filósofos e mestres anteriores ao giz e à lousa, que ensinavam dominando, entre outras, a arte de falar.
     O universo da poesia, do verso, deriva, de igual forma, da tradição oral. Segundo afirmam muitos teóricos, o verso era preferível à prosa porque se prestava melhor à memória.
     Quando Fabiano Fernandes Garcez escolhe a palavra Diálogos para dar nome ao seu segundo livro, ele faz, na verdade, um oportuno resgate do espírito primeiro da poesia: a oralidade, a palavra que brota da boca do poeta.
     E a poesia de Fabiano é assim mesmo; uma quase conversa de fala simples, cotidiana, que se desvia da prosa pelo uso do refrão, do ritmo, de algumas aliterações... recursos musicais pertinentes ao verso.
     Mas com quem Fabiano conversa em sua obra?
     Nos últimos meses, tive o prazer de ser convidado por Fabiano para participar, antes que as palavras fossem impressas, de uma conversa sobre sua poesia, uma prosa sobre seus versos. E trocamos, literalmente, impressões, imagens, rimas, desmembramos palavras para criar palavras novas, recompusemos linhas, refletimos versos.
     Fabiano é um poeta consciente do valor da palavra, do estudo da forma, do polimento constante e sabe da importância de dialogar com a poesia de poetas do presente e do passado.
     Além desse diálogo literário, porém – fundamental a todo aquele que escreve –, Fabiano eleva sua voz para conversar com as suas memórias, a sua infância, com suas angústias, seus medos, com seus amores, suas esperanças, com suas convicções e incertezas, com suas verdades e sonhos, com o livro que já escreveu, com os livros que ainda virão, com a sua própria alma; conversa com o Alto e com o chão.
     A principal conversa, contudo, começa agora, em suas mãos: encontro entre a voz do poeta e a voz do leitor – Diálogos Que Ainda Restam...

César Magalhães Borges
Julho/ 2009




blá
falavam
blá blá
escutavam
blá blá blá
perfeitamente

mas não dialogavam




Diálogos (do latim dialogu)  - con versa ção –  colóquio, fala entre duas ou mais pessoas, assim é definido.
Restam poucos diálogos, em um tempo artificial, os quais são travados no plano da superficialidade e não há uma efetiva troca, um envolvimento, um “contaminar” e ser “contaminado,” veja acima o poema .
O poeta Fabiano, sabedor disso, deixa a sensibilidade e o domínio da palavra, qualidades que lhe são natas, aflorarem e nos mostra em seus poemas que restam sim diálogos no dia a dia, seja com a chave que não vai abrir caminhos de volta, ou com Napoleão, que não era o Imperador, mas um cão.
A propriedade de ser um poeta em constante busca da inovação traz ainda uma beleza profunda nas entrelinhas de seus versos, que é a capacidade em ouvir a palavra, tornar-se íntimo dela, a ponto de transformá-la em outra, isso com um lirismo por vezes arrojado, por vezes doce, sem ser meloso.
Caprichosamente, capta nossa atenção e nosso sentido o seu Diálogos que ainda restam, de onde saímos com algumas vozes e versos do poeta na memória, na pele, no coração — se feridos ou acariciados não importa—, a poesia de Fabiano marca, nos marca – con versa ção.

Tonho França
Poeta
Editor do  Selo Vale em Poesia




EU NÃO SOU EU

Eu não sou eu, sou outro
E outro que não o outro, que não eu
Eu sou outro e outro e
                         outros tantos e eu

Se sou eu que é outro
                        o eu que sou também não sou eu
Com tantos eu, outro e outros eus,
            como posso olhar algo e dizer: isso é meu?

Como pode ser meu,
se o eu que sou não sou eu?
Quando eu digo meu,
o eu pode estar se referindo ao meu que é do outro
o outro que não sou eu,
então, esse algo é seu!

Mas se sou eu e outro
                        o outro também sou eu
Aquilo que é seu é meu!

Eu Fabiano, Fernando, Carlos
            que diferença faz, se todos os outros sou eu

Eu sou o outro e os outros
            sem deixar de ser eu
      sou eu e sou outro
            e os outros sou eu

Mas os outros que não o outro,
que não os outros outros
que não eu, também sou eu? 




A GENTE QUE ME REFIRO

Vamos ao teatro, Maria José?
Quem me dera,
desmanchei em rosca quinze quilos de farinha,
tou podre. Outro dia a gente vamos
(...)

Adélia Prado



A gente que me refiro
não é eu ou você
nós

A gente que me refiro
são as pessoas

e a gente comum não vai
a gente vamos
                       em bando
                       em banda
                       embalando
                       em comunidade




MARIA LUZIA

Maria Luzia
se cobre com
o céu

Maria luzia
agora não mais

Sua dor
já sem luz
ainda sorri